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Uma indiferente Santa Maria à espera do júri da Kiss

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Renan Mattos (Diário)

Passados sete anos do episódio que fez com que Santa Maria passasse a ser conhecida como "a cidade da Kiss", a realização do primeiro julgamento do processo criminal principal, previsto para começar na próxima segunda-feira, passa, até aqui, praticamente incólume ao dia a dia da população do quinto maior município do Estado. Sem exagero, a tragédia - que vitimou mais de duas centenas de jovens e que deixou mais de 600 pessoas com sequelas - não mobiliza nem comove mais a sociedade. Exceto, é claro, os pais e familiares que resistem, juntos, unidos por um front solitário em busca de Justiça.  

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Aliás, ainda mesmo antes de completar um ano do incêndio, os santa-marienses já haviam blindado os ouvidos para assuntos correlatos à Kiss. O desprezo e a indiferença têm dado a tônica da convivência de boa parte da população com pais e com a própria Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM).

Ao longo desses sete anos, os pais que restaram em busca de Justiça são, hoje, aos olhos da maioria da população, um fardo. Marginalizados, ninguém adere mais às datas que marcam a tragédia.

A tolerância acabou e, desde então, o que resta é o desdém. O pior de tudo é que não houve, até aqui, nenhuma condenação e responsabilização de quem quer que seja pela mortandade daquela madrugada. Leis foram feitas e, como é de praxe no Brasil, tornaram-se inócuas. 

Ainda assim, não raro, muitos dizem que "a vida segue". Mas há vida para quem perde um filho de uma maneira tão abjeta e horrenda? O que resta de vida, a um pai ou mãe, que viu o filho sair para se divertir em um sábado à noite e ter de ir reconhecê-lo, perfilado em uma fila macabra de corpos seminus (cobertos por sacos pretos) e empilhados em um ginásio?

Como, então, dizer que "é preciso esquecer" e "tocar a vida", se a lembrança que vem à cabeça de pais são os filhos com os celulares, sobre os corpos, tocando sem parar, em busca de um "oi, pai/mãe" que jamais veio? É possível "parar de se lamuriar" quando se sabe que a boate em que os jovens estavam era um labirinto da morte com travas de ferro que os impediram de sair com vida? 

Dá para "superar" a tragédia, quando há o agravante que, de 2009 a 2013, a boate funcionou de forma irregular com a complacência (e conivência) das autoridades públicas? Como "deixar para trás" que o maior tesouro de um pai teve a vida abreviada ao inalar uma fumaça tóxica provocada pela queima irresponsável de um artefato dentro de um local fechado?

A cidade cansou de tudo que envolve a Kiss. E, mais uma vez, será assim. Na próxima semana, quando o júri de um dos réus tiver início, pais e associação estarão sob os holofotes da imprensa. E só.   

A população, em geral, contará os dias para que isso tenha fim. E, de certa forma, os pais também. Porém, por motivos diferentes. O primeiro por puro egoísmo e falta de entendimento, de humanidade e, principalmente, de respeito com a dor do outro. O segundo por cansaço de viver uma vida praticamente moribunda.

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